A igreja cristã, ao longo dos anos, tem sido abençoada por grandes avivamentos, manifestações do Espírito e crescimento espiritual. No entanto, paralelamente a isso, também tem enfrentado um problema sério: a negligência no ensino das Escrituras. Muitos têm se contentado em repetir mensagens de efeito, frases populares e tradições humanas sem examinar se essas coisas, de fato, têm respaldo bíblico.
Hoje, com o fácil acesso à informação, temos ainda mais responsabilidade de ensinar corretamente a Palavra de Deus. Como ministros, líderes e obreiros, somos chamados a zelar pela verdade do Evangelho, e não apenas alimentar o emocional com pregações empolgantes ou atos proféticos desprovidos de fundamentação bíblica.
OS APÓSTOLOS ERAM FIÉIS ÀS ESCRITURAS
Os apóstolos não pregavam o que "sentiam", nem acrescentavam à mensagem pensamentos próprios. Eles se apoiavam nas Escrituras e na doutrina de Cristo. É nosso dever seguir o mesmo exemplo, evitando adaptar o Evangelho aos nossos gostos ou tradições.
“Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já recebestes, seja anátema.” (Gálatas 1:9)
Infelizmente, o que se vê hoje é o acréscimo de pensamentos humanos ao Evangelho — ideias que, muitas vezes, ferem a graça de Deus e confundem o povo. Por isso, precisamos estudar, pesquisar, examinar e ensinar com responsabilidade.
A TEOLOGIA NÃO ESFRIA O CRENTE, ELA ILUMINA
Em muitas igrejas pentecostais, ainda há a ideia de que estudar teologia "esfria" a fé. Alguns repetem o versículo “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Coríntios 3:6) como justificativa para rejeitar o estudo profundo da Bíblia. Porém, Paulo ali se referia à letra da Lei mosaica, não ao estudo da Palavra ou da teologia.
O próprio apóstolo Paulo foi um teólogo e mestre das Escrituras, e incentivou seu discípulo Timóteo a ler, ensinar e se dedicar ao estudo (1 Timóteo 4:13). O estudo não mata — o que mata é ensinar sem saber o que se está falando.
O ENSINO DEVE TER PRIORIDADE
Há um desequilíbrio perigoso no meio pentecostal: o foco exagerado nas manifestações espirituais e pouca ênfase no ensino metódico e bíblico. Louvamos a Deus pelos dons e manifestações do Espírito — eles são parte essencial da vida da igreja —, mas eles não substituem a pregação e o ensino claro da Palavra.
Veja o exemplo em Atos 2: o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos, e todos foram cheios. Mas foi por meio da pregação de Pedro, fundamentada nas Escrituras, que houve conversão em massa: cerca de 3.000 almas se renderam a Cristo. Como disse Paulo: “A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.” (Rm 10:17)
Paulo também tratou disso ao corrigir os excessos da igreja de Corinto, dizendo : “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem.” (1 Co 14:40)
ERROS REPETIDOS POR FALTA DE CONHECIMENTO
Nas igrejas, é comum ouvirmos frases que soam bonitas, mas que, quando analisadas à luz da Bíblia, revelam falta de fundamento:
"A palavra de Deus se renova a cada manhã" — Essa afirmação é muito usada como desculpa por quem sobe ao púlpito sem preparo, tentando justificar a falta de estudo com um jargão emocional. No entanto, a Bíblia não diz que a Palavra de Deus se renova. Pelo contrário, ela declara que a Palavra do Senhor é eterna, imutável e permanece para sempre (Isaías 40:8; Salmos 119:89). O versículo que muitos confundem está em Lamentações 3:22-23, onde Jeremias afirma que as misericórdias do Senhor se renovam a cada manhã, ou melhor, que se tornam novas a cada manhã, como expressão do cuidado contínuo de Deus.
A Palavra não muda — quem é renovado por ela somos nós, à medida que a obedecemos e guardamos em nosso coração (Salmos 119:11). Quando transformamos esse conceito em um bordão, estamos banalizando a Escritura e promovendo um engano espiritual. A renovação diária está no agir de Deus em nós, não em uma suposta “mudança” da Sua Palavra.
"Na presença de Deus, até a tristeza salta de alegria" — Na verdade, esse texto refere-se à presença do Leviatã (Jó 41:22). Já sobre a presença de Deus, o Salmo 16:11 declara: "Na tua presença há fartura de alegrias, à tua direita há delícias perpetuamente."
"Onde estiverem dois ou três reunidos, Deus se faz presente" — Embora seja um versículo real (Mt 18:20), o contexto fala sobre disciplina e autoridade na igreja, não sobre qualquer reunião informal. Deus é onipresente e não está limitado à quantidade de pessoas.
"Quando Jesus morreu, houve festa no inferno" — Isso é pura heresia. A Bíblia não relata festa alguma no inferno. Pelo contrário, em Colossenses 2:15 diz que Jesus despojou os principados e potestades, e os expôs publicamente ao desprezo, triunfando sobre eles na cruz.
"Saulo virou Paulo" — Outro equívoco. Saulo e Paulo são o mesmo homem. Saulo era seu nome hebraico, Paulo era seu nome romano. Ele não mudou de nome após a conversão, apenas passou a usar seu nome romano para alcançar melhor os gentios.
"Jesus é a Rosa de Saron e o Lírio dos Vales" — Essa linguagem poética aparece em Cânticos 2:1, onde é a mulher (símbolo da noiva, a igreja) quem fala: "Eu sou a rosa de Saron, o lírio dos vales." Aplicar isso diretamente a Jesus é uma interpretação equivocada.
"Os que de madrugada me buscam, me acharão": Muitos usam esse versículo como base para afirmar que Deus só ouve ou responde orações feitas de madrugada, o que é uma distorção do real sentido do texto. Em Provérbios 8:17, está escrito: "Eu amo os que me amam, e os que de madrugada me buscam, me acharão." — mas o contexto não está tratando diretamente da oração em um horário específico, e sim de buscar a sabedoria com diligência, com prioridade, com sinceridade e desejo profundo.
A ideia de “buscar de madrugada” tem mais a ver com zelo, esforço e prioridade espiritual, do que com um horário literal. Reduzir essa expressão a um costume religioso da madrugada é esvaziar seu verdadeiro significado. Deus não está limitado pelo relógio; Ele ouve a oração de um coração quebrantado a qualquer hora (Salmo 34:18). O importante não é o horário da busca, mas a intensidade e sinceridade de quem busca.
Essas expressões são muitas vezes ditas com sinceridade, mas refletem a falta de ensino bíblico sólido em muitas igrejas. Estamos priorizando construções físicas e eventos, enquanto a edificação espiritual do povo está sendo deixada de lado.
É urgente voltarmos à Bíblia. O povo de Deus precisa conhecer a Palavra, interpretar corretamente e viver conforme a verdade, não baseando sua fé em frases de efeito, mas na revelação genuína das Escrituras.
OBREIROS PRECISAM DE INSTRUÇÃO BÍBLICA
Não basta que um obreiro seja apenas fervoroso ou cheio do Espírito Santo é indispensável que também seja instruído na Palavra. Como poderá conduzir o rebanho de Deus sem saber manejar corretamente as Escrituras? O zelo sem conhecimento pode levar à confusão e ao erro, mesmo com boas intenções.
O apóstolo Paulo foi direto ao orientar Timóteo, seu filho na fé:
“Persiste em ler, exortar e ensinar.” (1 Tm 4:13)
E ainda:
“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.” (2 Tm 2:15)
Essas palavras são tão relevantes hoje quanto foram naquele tempo. O obreiro precisa estar firmado na doutrina, com uma fé inteligente e bem fundamentada, para não ser levado por todo vento de ensino.
Estudar teologia não é frieza espiritual, nem sinal de incredulidade, mas sim um ato de amor a Deus e zelo pela Sua obra. Como disse o profeta Oséias:
“O meu povo foi destruído porque lhe faltou o conhecimento.” (Oséias 4:6)
E em outro momento, ele nos convida:
“Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor.” (Oséias 6:3)
Conhecer a Deus exige mais do que emoção — exige dedicação, leitura, oração, e disposição para aprender. O obreiro que busca crescer no conhecimento da Palavra fortalece sua vocação e protege a igreja contra o engano.
Unção e conhecimento não são opostos — são aliados. Um obreiro cheio do Espírito e instruído na Palavra é uma bênção para o povo e um instrumento eficaz nas mãos de Deus.
UM CHAMADO À RESPONSABILIDADE NO ENSINO
Se queremos ver uma igreja forte, madura e preparada para os dias difíceis, precisamos voltar ao ensino fiel da Palavra de Deus. Precisamos de pastores e obreiros que estudem, ensinem, alimentem e edifiquem o povo com doutrina saudável.
Tempos são importantes, sim — mas a igreja é feita de pessoas, e pessoas precisam de pastoreio, alimento e instrução.
Vamos zelar por esse chamado. Que não sejamos culpados de repetir os erros do passado por causa da nossa preguiça em estudar ou do desprezo pela sã doutrina. Antes, sejamos cooperadores fiéis da verdade, defensores do Evangelho da graça, e mestres que ensinam com clareza e temor.
Que Deus nos ajude a cumprir esse chamado com fidelidade e zelo.